Às sete horas da manhã de domingo, eu e J nos encontramos para nossa longa caminhada de 40 minutos até a estação de trem - os ônibus no domingo só começam a passar 09h30 -, onde pegamos um trem para a estação Victoria em Londres e de lá, pegamos nosso ônibus para Cardiff pontualmente às 09h30. Eu estava animada para ver as paisagens do lado de fora da janela durante as três horas e meia de viagem, mas tão cansada das noites anteriores que dormi o caminho inteiro - acordando de vez em quando só. Mas antes de dormir, ainda em Londres, tive a surpresa de passar em frente à casa onde morou Alfred Hitchcok, na Cromwell Road, no Royal Borough of Kensington and Chelsea.
Uma boa cochilada depois, chegamos em Cardiff, debaixo de chuva fina e fria. Tivemos que andar só um pouco (um pouco menos, se eu tivesse acertado a direção no mapa de primeira) para encontrar nosso albergue numa das principais ruas da cidade, St. Mary. O Bunkhouse, onde ficamos, é super bem localizado, perto de um Tesco, um Sainsbury's, vários restaurantes e lojas e pertinho do Castell Cardiff, nossa primeira parada depois de deixar as malas no albergue.
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St. Mary Street decorada com bandeiras do País de Gales |
Na verdade, a primeira coisa que fizemos mesmo foi comer, porque tendo acordado às seis da manhã (na verdade eu mal consegui dormir, de tanta ansiedade com a viagem) e já sendo uma da tarde, estávamos famintas. Nosso primeiro impulso foi seguir para a churrascaria brasileira (sim!!!!) que tínhamos visto logo que chegamos, também na rua do albergue, a Viva Brazil. Mas porque era domingo e dia dos pais aqui, a churrascaria estava lotada e só tinha mesas a partir das 17h. Tremendo balde de água fria, ainda mais depois de termos sentido o cheiro da carne do outro lado da rua. Mas não desisti, fiz reserva para o dia seguinte e fomos procurar outro lugar pra comer, no caso, o Wok to Walk, rede de comida chinesa que eu já tinha experimentado em Amsterdam. Forramos o estômago e fomos ver o castelo.
Do lado de fora não dá pra entender como é o castelo, pois você só vê um muro de pedra extenso e alto. Quando você entra é que dá pra ver que aquele muro é a fortificação (que faz um quadrado do tamanho de um quarteirão grande) e lá dentro tem várias coisas: um gramado enorme, um monte com um castelinho medieval no alto e um segundo castelo, maior, do lado esquerdo, em estilo gótico.
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Muro do Castell Cardiff do lado de fora. Um castelo no meio da cidade! |
O preço para entrar no castelo é salgado: £9,50, apresentando a carteirinha de estudante. Mas o ingresso inclui também um áudio-guia, que é bem legal. Começamos o passeio por cima dos muros que vemos do lado de fora, onde os guardas ficavam de sentinela. depois de andar por cima de dois lados do quadrado, tínhamos a opção de explorar os túneis que passam por dentro destes muros, que foram usados como abrigos estratégicos durante a segunda guerra mundial; mas quando demos o primeiro passo para dentro da câmara, o ar era tão pesado de umidade e mofo e sei lá mais o quê que mal dava pra respirar. Ter a experiência de como era se esconder de bombas durante a guerra ou então de ficar preso na masmorra de um castelo medieval? Não, obrigada. Voltamos para o ar respirável e à luz do (ainda que enevoado) dia e andamos em direção ao castelo menor que ficava no alto de um monte.
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Vista do interior do castelo de cima do muro. À esquerda: castelo gótico construído no século XIX; à direita, sobre o momento, The Keep |
The Keep, como é chamado, era um castelo usado mais com propósito de guerra, mas também chegou a servir de moradia de alguns lordes (os quartos ficavam nas laterais do castelo, 'dentro' dos muros). Na verdade ele foi construído por invasores nórdicos no século XI por cima de ruínas romanas. Os muros originais também eram romanos. Tanto esse castelo quanto os muros foram reconstruídos no período Vitoriano (século XIX), em que o estilo gótico foi 'ressuscitado' - e o castelo gótico não existia daquele jeito, até esses mesmos Vitorianos remodelarem-no por completo. O grande nome responsável pelas reformas sofridas por este castelo é o Marquês de Bute, que ficou muito rico com a indústria de carvão da região de Glamorgan.
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The Keep mais de perto |
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Interior do Keep |
Enfim, é muita história pra um castelo só, eu não consegui apreender nem um terço, mas o importante é saber que o castelo, assim como a cidade de Cardiff, teve muita influência de romanos, nórdicos e bretões! E que o nome Bute é muito importante na região - é nome de rua, de parque, de tudo.
Depois de rodar o castelo, voltamos para a rua principal e passamo no mercado Sainsbury's para comprarmos o lanche da noite - sanduíche, suco e chocolate do meal deal. Como era domingo, depois das 18h não tinha mais nada aberto. Voltamos para o albergue e aí é que nos instalamos direito no dormitório feminino com capacidade para 18 meninas. Fiquei com medo de que fosse ser tudo muito bagunçado, mas quando chegamos éramos as únicas e ate o fim de nossa estadia somávamos 9 ao todo. Os beliches pareciam novos e o colchão era confortável. A roupa de cama era toda de florzinha e uma parede do quarto era rosa choque com um espelho dourado. O banheiro era bem limpo, tinha dois chuveiros (com torneira automática do tipo que desliga depois de alguns segundos, os banhos tem que ser bem econômicos, haja paciência pra ficar apertando o botão toda hora - mas pelo menos a água é perfeitamente quente), um com a porta quebrada, mas que foi consertada no dia seguinte; duas pias, duas cabines de sanitário.
Na segunda-feira, eu e J acordamos cedíssimo para tomar o café da manhã que era servido só entre 7h e 9h. Comemos torradas e chá, assistindo ao noticiário da BBC sentadas numa das camas antigas que fazem parte dos assentos da área do café da manhã: nada de sofás, apenas camas de grandes cabeceiras forradas com colchas de patchwork, banquinhos azuis turquesa com almofadas de tecido floral, mesas de piquenique (aquela do Zé Colmeia) com guarda-sóis de tecido franjado e iluminação indireta. Um charme meio vintage, meio kitshc, mas muito fofo e aconchegante.
Tive dificuldades pra dormir na primeira noite porque o barulho da rua era absurdo. Como nosso quarto era no segundo andar e ficava bem de frente pra rua, dava pra ouvir tudo: as pessoas conversando (alto) no bar ao lado, as máquinas varradeiras passando, caminhões de lixo, a música alta da boate ao lado reverberando na parede ao lado da minha cama, as gaivotas notívagas guinchando. Foi uma noite difícil, mas as seguintes foram melhores, talvez porque eu estivesse cansada demais, mas acredito que foi graças ao remédio para sinusite e congestão nasal que comprei - com cápsulas noturnas para dormir melhor à noite.
Depois do café da manhã, passamos por algumas lojas e seguimos a St. Mary em uma linha mais ou menos reta em direção à Baía de Cardiff. O dia ainda não estava bonito, mas a chuva diminuía e era menos frequente - uns chuviscos de vez em quando. Acompanhei J até a atração que ela planejava ir a meses, Doctor Who Experience, uma espécie de museu sobre o seriado britânico Doctor Who que eu nunca tinha ouvido falar até o meio do ano passado, e parece que é febre mundial, porque todo mundo que encontro agora é um fã. Mas a série deve ser mesmo boa, afinal, começou em 1963 e continua até hoje. E é uma tradição britânica ser fã da série, também descobri.
Durante as duas horas que J passou no museu, dei uma volta pela baía, fui numa igrejinha norueguesa construída no século XIX, durante um outro período em que a presença nórdica era massiva na cidade, por causa do comércio marítimo; entrei no Pierhead, um prédio bonito, todo feito de terracota, que contava um pouco da história da cidade e da baía. Também entrei no prédio ao lado, um edifício moderno onde fica a National Assembly for Wales, espécie de Senado ou Parlamento onde são votadas leis específicas para o país. Essa autonomia foi conquistada em 1998. Escócia e Irlanda do Norte também funcionam de forma parecida, com legislações próprias mas subordinados ao Reino Unido em todo o resto.
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Pierhead |
Às 14h, finalmente, eu e J tivemos nosso tão aguardado almoço brasileiro. Fazia tempo que eu não comia carne direito, porque além de ser cara, a carne daqui não é tão boa quanto a que gente come no Brasil - e eu também não me arrisquei ainda a fritar bifes. Quando como carne é só em restaurante, principalmente em forma de hambúrguer ou iscas no yakisoba. Por isso o tamanho da animação! Comi quase tudo que me foi oferecido, só dispensei o chilli chicken (invenção daqui, quem é que come frango apimentado no Brasil?), o cupim (eca!) e os pernis (de porco e cordeiro). Me fartei de alcatra, picanha, coraçãozinho e medalhão de frango com bacon (e nem gosto de bacon!), só me decepcionei com a linguiça, que não era aquela rosada de churrasco, era a linguiça inglesa branca e sem graça. A farofa também deixou a desejar, muita pimenta e passas. Mas a polenta frita estava nota 10!! Pena que não tive forças para ir até a mesa do buffet buscar mais.
Ah, a saudade de Brasil era tanta que até bebi guaraná Antarctica, e eu não gosto de refrigerantes.
À tarde J e eu passeamos mais pelas lojas, voltamos à baía e de novo à rua principal (mas na volta pegamos um ônibus, o caminho é bem longo e já tínhamos andado bastante!)
Na terça-feira o tempo começou a melhorar, o sol até saiu. Como já tínhamos feito tudo e visto tudo o que tinha de importante na cidade, resolvi ir até o centro de informações turísticas procurar inspiração. O que não faltava era lugar pra explorar nos arredores da cidade! Escolhemos mais um castelo, no pequeno vilarejo de Tongwinlais (1950 habitantes), há 30 minutos dali, de ônibus. Foi um passeio barato, considerando o preço da passagem de ida e volta (3,80) e o ingresso do castelo (3,80 para estudantes). O castelo era lindo, mais um castelo medieval reformado por Vitorianos em estilo gótico - e mais um Bute no meio da história. Me apaixonei, parecia um castelo de conto de fadas.
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Castell Coch no vilarejo de Tongwynlais |
Estávamos de volta em Cardiff à hora do almoço e resolvemos experimentar o restaurante português-com-comida-moçambicana-e-música-brasileira onde nunca conseguimos comer em Guildford porque está sempre cheio, o Nando's. A especialidade da casa é o frango com molho peri-peri, de origem moçambicana. O frango era bem gostoso e você podia escolher o nível de apimentado que queria (por que, por que essa mania de comida apimentada em tudo que é canto
??) Escolhi o quase menos apimentado de todos, só com toques de limão e ervas. Agora, o que mais valeu a pena foi a sobremesa: uma fatia de bolo de chocolate cremoso e gelado enorme e delicioso. A princípio íamos dividir, mas quando provamos a primeira colherada, soubemos que íamos querer mais. A gula falou mais alto e eu nem liguei. Ô bolo bom. Parecia um bolo feito do sorvete de Chocolate Fudge Brownie do Ben and Jerry's. Pura perfeição. Possivelmente o melhor bolo de chocolate do mundo.
Depois desse êxtase culinário, rodamos várias lojas e shoppings e compramos marmitinhas de sushi do mercado Waitrose, pequena extravagância para nossa última noite. Estava bem delicioso.
Na quarta-feira de manhã deixamos nossas malas prontas na recepção e fizemos o checkout. Rodamos pela cidade até às 10h30, quando pegamos um barco dentro do Parque Bute que descia o rio até chegar na baía. Achei que o passeio seria mais emocionante, muitas coisas para ver nas margens do rio, o vento nos cabelos... mas o barco era pequeno e baixo, todo fechado com janelas (bem seguro, para deleite de minha amiga que morre de medo de barcos) e não tinha nada de interessante nas margens, só prédios. Chegando na baía, passamos por baixo de uma ponte e vimos vários cisnes flutuando nas águas. Nosso último dia estava bem bonito, mais ensolarado, 20 graus, deu até pra suar.
Fizemos o caminho de volta ao albergue a pé, fazendo uma pausa para comer sanduíches de almoço e então finalmente pegando nossas malas e rumando para o terminal de ônibus. Mais três horas e meia de viagem, uma hora até Guildford (tempo total, contando deslocamento do terminal até a estação de trem e trocas de trem em Clapham Junction) e pronto, estávamos de volta em casa. Só tivemos a surpresa de descobrir que o itinerário dos ônibus sofreu mudanças de novo, mas dessa vez por causa de obras no Manor Park. Nenhum ônibus está podendo entrar aqui e tem um trator enorme na rua principal do campus. Tivemos que descer no ponto entre o hospital e a recepção, e parece que essa obra fica ainda por algumas semanas. Pelo menos eles são sensatos e só fazem essas coisas nas férias mesmo.
Férias, férias. Bem, em breve elas vão acabar, pois devo começar meu estágio obrigatório do Ciência sem Fronteiras, se não na semana que vem, na primeira semana de julho. Ainda não sei muito sobre ele, só sei que é numa empresa em Londres que faz vídeos promocionais e comerciais, Boko Creative. Vamos aguardar...