Todo mundo tem um pouquinho de medo de viajar, vai. Viagem de avião internacional, então, ui! Mesmo os mais experientes que se aventuram por países desconhecidos só com uma mochila nas costas e um mapa nas mãos sentem frio na barriga quando o vôo atrasa, quando erra o caminho do albergue ou não possui domínio nenhum da língua do país onde está.
Pois bem. Eu não tinha só uma mochila, mas toda uma vida em duas malas de aproximadamente 30 quilos, livros para me fazer companhia, todos os documentos que eu precisaria para entrar e sair do avião, chocolate, palavras cruzadas, celular, Ipad e todo um kit de sobrevivência nas minhas malas de mão. Mas estava sozinha, viajando para um país estrangeiro, embora não totalmente desconhecido, e tinha um bom domínio da língua. Estava tudo certo, tudo sob controle. Sem necessidade de estresse. Bem, não tanto assim.
1- Eu estava embarcando para o Reino Unido, para onde iria morar e estudar por um ano, completamente afastada da minha família e amigos, para viver experiências que eu mal podia imaginar;
Tudo bem, tudo bem. Eu tinha motivos para estar nervosa. Mas como todos vinham me dizendo desde que fui aceita no intercâmbio do Ciência sem Fronteiras, ia ser uma experiência incrível, uma oportunidade única na vida, um ano passa rápido, você nem vai ter tempo de sentir saudade. Você vai ter independência, vai aprender a se virar sozinha, vai ser maravilhoso!
Eu sabia de tudo isso. Mas como não se desesperar com a ideia de ficar longe de mamãe e papai por um ano inteiro??? O máximo de tempo que eu passei longe deles foi dois meses. E eu estava acompanhada de uma das minhas melhores amigas, morando numa casa de família com uma "mãe" para conversar e fazer comida pra mim (embora não fosse tão boa quanto a comida da minha mãe). O que eu estava prestes a viver ao entrar naquele avião na terça-feira do dia 29 de janeiro não seria nada parecido com o meu intercâmbio anterior. Nada que eu tivesse vivido seria como isso. Daí a insegurança, o medo e o choro na hora de me despedir de mamãe, papai, vovô e vovó.
Tudo muito compreensível. Até o fator de estresse número 2.
2- Meu avião demorou 5 horas para decolar. 5 H.O.R.A.S.
O vôo estava no horário, me encaminhei para a fila de embarque junto com meus outros companheiros de viagem, já sentindo o arrependimento de ter enchido tanto minha bolsa estilo carteiro (cinco quilos de coisas em apenas um ombro) e minha outra mala de mão (mais dez quilos de coisas no outro braço). Mas tudo bem, logo eu entraria no avião, guardaria minhas coisas e cairia num sono profundo, acordando dez hras depois em Londres. Só que não.
Levou uma meia hora até todos os passageiros se instalarem, o piloto dar boa noite a todos e apresentar a tripulação e enfim encaminhar a aeronave para a pista de decolagem. Meia hora de atraso, tudo bem, é normal. Mas depois o avião demorou mais uma meia hora na pista de decolagem, o que já é um pouco estranho. Demorei a reparar porque estava absorta na minha atual leitura (Reparação, Ian McEwan), mas foi só o piloto avisar que havia algum tipo de problema com a aeronave e que ele a estaria retornando ao terminal para os sinais do pânico se instalarem.
Ansiedade, muita ansiedade.
Eu não gosto de viajar de avião. Não sei dizer se é medo, exatamente. Nunca evitei usar o avião como meio de transporte e até o prefiro quando tenho outras opções, por ser mais rápido, mais seguro, etc. Eu realmente acredito que aviões são seguros. Mas, eventualmente eles quebram. E pode ser quando você está atravessando o Atlântico. Pânico, pânico.
Tentei me acalmar, continuar minha leitura, ir ao banheiro, me aconchegar na poltrona (estava na janela e a outra única poltrona ao meu lado estava vazia, o que me deu bastante espaço para apoiar minhas coisas), assistir um seriado na tv. Mas as horas iam passando. Duas horas de atraso. O piloto anuncia que o problema era no sistema de navegação secundário, que os técnicos do aeroporto não conseguiram consertar, faltava uma peça, que viria no próximo vôo vindo de São Paulo. Dali a uma hora e meia. Pânico, pânico.
Fator de estresse número 3:
A Universidade de Surrey tem um esquema de colocar novos alunos em contato com alunos veteranos, por e-mail, de modo que o veterano possa passar informações úteis para o novato, sobre a cidade, o alojamento, e qualquer outro tipo de dúvida que possa surgir. Esses veternaos são chamados de "buddys", numa tradução fajuta, colega, amigo, parceiro. A minha buddy se chama Bethany e eu de fato troquei muitos e-mails com ela. E ela, muito solicitamente, se ofereceu para me buscar no aeroporto de Heathrow, em Londres, no dia 30-01, porque ela já estaria ali mesmo, acompanhando sua mãe que voltava para as Ilhas Cayman (!). Bethany reservou um táxi para as 15h30, pois eu chegaria em Londres às 13h, saindo daqui no horário previsto (+2h fuso horário de lá). Mas meu vôo j´estava atrasado 3 horas. E meu celular tinha descarregado por completo e a wifi não alcançava meu Ipad. Pânico, pânico.
Comecei a chorar. E chorar, e chorar e chorar. Tinha um cara na fileira ao lado da minha que vez ou outra me olhava sem entender, eu olhava de volta pra ele soluçando, mas não conseguia dizer uma palavra que justificasse meu sofrimento. Por fim as comissárias de bordo resolveram servir o jantar, às três horas da manhã. Duas delas me viram aos prantos e perguntaram se podiam fazer alguma coisa por mim. Tentei explicar que precisava carregar meu celular para falar com a pessoa que buscaria no aeroporto, para avisar que eu ia demorar. Uma das aeromoças gentilmente me explicou que havia uma tomada abaixo da minha poltrona que eu podia usar e até ofereceu o celular para que eu ligasse para alguém. Uma tomada. Alegria indescritível. Obrigada, obrigada, muito obrigada. Como a gente enlouquece sem tecnologia.
Carreguei o celular, tentei enviar um e-mail à Bethany explicando a situação, pedindo desculpas e dispensando-a de qualquer compromisso de me esperar no aeroporto, já que eu ainda não tinha ideia de quando decolaríamos. Liguei para o meu pai, a pessoa certa para resolver problemas na madrugada (mamãe entra em pânico ao detectar qualquer sinal de choro na minha voz), expliquei a situação e ele conseguiu me tranquilizar. Dei o número do telefone da Bethany e o e-mail dela, papai disse que ia ligar de manhã para informá-la do ocorrido. Papai pediu que eu ficasse calma e tentasse descansar. Eu ainda não tinha tocado no meu jantar madrigal. Agradeci ao meu pai, engoli o choro e comecei a comer, mas bem pouco, não só porque a comida era ruim, mas principalmente porque ainda estava muito nervosa. Mandei uma mensagem para mamãe avisando sobre o atraso, o que a deixou preocupada de qualquer forma, mas pelo menos ela não me ouviu chorando.
Me aconcheguei nas duas poltronas com os travesseiros e acoberta e dormi por uma hora, depois voltei a ler. Às 5 da manhã, finalmente, nos dirigimos para a pista de decolagem e aí assim levantamos vôo (outra sensação que me causa estresse, sempre sinto que vamos bater contra uma parede quando o avião acelera). Pronto. Pânico controlado.
As "cortinas" das janelas se mantiveram fechadas e as luzes apagadas por todo o trajeto, todos trocaram a noite pelo dia (menos duas bebês gêmeas que choravam incessantemente). Ao meio dia nos serviram o café da manhã e por volta das 18h aterrisamos em Londres.
Passei pela imigração sem problemas, um oficial indiano conferiu meus documentos, todos devidamente organizados e à mão e pude ir para a próxima sala recolher minhas bagagens. Consegui colocá-las no carrinho com algum esforço e ajuda de pessoas solidárias e me dirigi até a área de "nada a declarar" da alfândega. Lá, um oficial baixinho de cabelo ruivo me perguntou de onde eu vinha e se carregava armas, objetos pontiagudos, remédios controlados ou qualquer outro tipo de artigo ameaçador na minha bagagem. Disse que não, mas eles pediu para abrir uma de minhas malas, felizmente a que não continha todo o arsenal de remédios que eu trazia (para uso pessoal, juro). Ele colocou um par de luvas roxas o que o fazia se parecer com o personagem Dexter do desenho animado e começou a vasculhar minha mala, tirando tudo o que tinha dentro, verificando todos os cantinhos. Felizmente todas as minhas roupas estavam embaladas à vácuo, então ele só remexeu nas minhas necéssaires. Agradeci imensamente por minha bolsa de calcinhas estar na outra mala, não queria passar por esse momento Bridget Jones.
Tudo certo, me dirigi para a saída, sem saber como ia fazer para chegar em Guildford, porque, ao contrário de todos os outros brasileiros independentes que vieram estudar na mesma universidade que eu, eu não sabia que trem eu teria que pegar, nem onde nem como. E eu tinha duas malas gigantes. Uma delas quebrada graças aos gentis funcionários do aeroporto (não tenho como saber se foi no Galeão ou em Heathrow). Mas eis que surge minha salvação: Bethany, logo à frente no portão de desembarque, segurando um cartaz com meu nome escrito. Meu sorriso foi nas alturas.
"Você me esperou!"
"Mas é claro! Precisa de um abraço?"
E assim fui recebida de braços abertos. Nada poderia ser tão ruim agora. Bethany me levou até o motorista de táxi, e em vinte minutos estávamos em Guildford. Neste meio tempo liguei para o papai e avisei que tinha funcionado, estava tudo certo, Bethany me salvara. Estava tudo bem agora. Eu estava pronta para os desafios que viriam pelo caminho. E não estaria sozinha.
Minha amada filha, acabo de ler seu texto e me derramo em lágrimas, por vc conseguir passar por tantos momentos difíceis e ainda por cima me poupar de suas lágrimas... Me perdoe por não conseguir ser forte o suficiente p/ te socorrer em momentos de pânico, mas tenha certeza q sempre estou c/ vc no meu pensamento e em minhas orações e talvez isso tb ajude vc a se sair bem em qualquer situação. Conte comigo mesmo não estando presente... Te amo acima de tudo!
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